Literatura da Semana (Outubro): FILOSOFANDO COM A EMÍLIA
Como leitores da literatura
infantojuvenil e apaixonados por ela, a ideia desta coluna é trazer nomes que,
em nossa opinião, não podem (jamais) ser esquecidos.
Começamos com um autor de grande
importância para a literatura infantojuvenil no Brasil: MONTEIRO LOBATO (1882-1948).
Nacionalista, irônico, polêmico e
altamente crítico em seus posicionamentos, Lobato tornou-se importante não
apenas pela criação do SÍTIO DO PICAPAU AMARELO e seu universo mágico e
fantástico para onde foram transportados personagens clássicos da literatura
universal. Sua influência é responsável, ainda, pela formação cultural e
literária de muitos autores brasileiros que não negam o quanto foram
impregnados pelas histórias e aventuras dos personagens do SÍTIO antes de
iniciarem sua própria produção literária. Ana Maria Machado, Bartolomeu Campos de
Queirós, Ruth Rocha, Tatiana Belinky e Ziraldo são alguns dos que se declaram
“filhos de Lobato”. Nós, leitores, ganhamos duplamente: pela vasta riqueza da
obra de Lobato e pelas obras que sucessivamente foram surgindo como resultado
dos seus proeminentes leitores.
Neste momento, o destaque fica por
conta da EMÍLIA, a boneca de pano que, em muitos momentos, parece incorporar (e
materializar) ideias e concepções ousadas do seu criador, chegando mesmo a ganhar,
de forma natural, autoridade sobre os demais personagens do SÍTIO.
Escolhemos um trechinho do livro MEMÓRIAS DA EMÍLIA, em que a boneca, dizendo de si mesma nas reflexões finais da obra, nos faz pensar na amplitude de visão de um autor que certamente estava muito a frente de seu tempo...
“Antes de pingar o ponto final quero
que saibam que é uma grande mentira o que anda escrito a respeito do meu
coração. Dizem todos que não tenho coração. É falso. Tenho, sim, um lindo
coração – só que não é de banana. Coisinhas à toa não o impressionam; mas ele
dói quando vê uma injustiça. Dói tanto, que estou convencida de que o maior mal
deste mundo é a injustiça.
[...] Quando vejo trancarem na cadeia
um homem inocente, meu coração dói. Quando ouvi Dona Benta contar a história de
Dom Quixote, meu coração doeu várias vezes, porque aquele homem ficou louco
apenas por excesso de bondade. O que ele queria era fazer o bem para os homens,
castigar os maus, defender os inocentes. Resultado: pau, pau e mais pau no
lombo dele. Ninguém levou tanta pancadaria como o pobre cavaleiro andante – e
estou vendo que é isso que acontece a todos os bons. Ninguém os compreende.
Quantos homens não padecem nas cadeias do mundo só porque quiseram melhorar a
sorte da humanidade? Aquele Jesus Cristo que Dona Benta tem no oratório,
pregado numa cruz, foi um. [...]
Quando falo assim, Narizinho me chama
de filósofa e ri-se. Não sei se é filosofia ou não. Só sei que é como sinto e
penso e digo.
Eu era uma criaturinha feliz enquanto
não sabia ler e portanto não lia os jornais. Depois que aprendi a ler e comecei
a ler nos jornais, comecei a ficar triste. Comecei a ver como é na realidade o
mundo. Tanta guerra, tantos crimes, tantas perseguições, tantos desastres,
tanta miséria, tanto sofrimento...
Por isso acho que o único lugar do
mundo onde há paz e felicidade é no sítio de Dona Benta. Tudo aqui corre como
num sonho. A criançada só cuida de duas coisas: brincar e aprender. As duas
velhas só cuidam de nos ensinar o que sabem e de ver que tudo ande a hora e a
tempo. [...]” (LOBATO, 2009, p.88-89).
Maria da Silva
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